Presas
retomam a vida junto dos filhos após decisão do STF
Quando foi
presa pelos policiais, em setembro do ano passado, Taiane Gonçalves ainda
estava amamentando o filho Enzo, de 1 ano e 8 meses. Durante cinco meses, ela
só teve notícias do bebê, seu primeiro filho, por meio de parentes, pois não
queria que ele frequentasse o Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco
da Rocha (SP), onde ela estava detida. De longe, ficou sabendo que Enzo, mesmo
tão pequeno, sentiu o afastamento e demorou para se acostumar com a falta da
mãe. "Ele ficou com febre, perguntando por mim, estranhando as pessoas.
Ficar longe dele foi a pior situação possível que eu passei, porque somos muito
apegados, sempre estivemos juntos", diz a mãe, de 23 anos, acusada de
tráfico de drogas, associação ao tráfico e porte de arma.
Em fevereiro
deste ano, Taiane foi a primeira mulher do país beneficiada pela decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou um habeas corpus coletivo para
substituir a prisão preventiva por domiciliar para presas de todo o país que
sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com
deficiência. Um dia depois da votação no STF, o ministro do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) Joel Ilan Paciornik determinou a substituição da prisão
preventiva de Taiane pela domiciliar. Na decisão, ele afirmou que, apesar de
estar sob os cuidados de parentes, o contato permanente da criança com a mãe
"mostra-se essencial ao seu desenvolvimento, além de ser um direito
previsto em inúmeros dispositivos legais".
No dia do
esperado reencontro com o filho, Taiane sentiu uma mistura de alegria e
decepção, porque a criança não a reconhecia mais, depois de ficar tanto tempo
sob os cuidados da avó paterna. "Ele não me reconheceu, não queria vir
para mim, não sabia quem era a mãe dele, tinha esquecido já. Só depois de umas duas
semanas ele voltou a ficar comigo de novo, me chamar de mãe", conta.
Antes do
habeas corpus, Taiane estava presa de forma provisória. Atualmente, teve a
prisão domiciliar revogada e aguarda o fim do julgamento em liberdade. Seu
companheiro assumiu a posse pelas drogas que estavam escondidas na casa dela.
Segundo o
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 10.321 presas em todo o país
atendem os requisitos da decisão do STF e poderiam ser beneficiadas com a
medida, assim como Taiane. O STF deu 60 dias para que os tribunais de Justiça
dos estados cumprissem integralmente a decisão e liberassem as presas grávidas
ou com filhos pequenos para aguardar o julgamento em casa. O prazo terminou no
início de maio, mas em muitos estados, presas que atendem aos requisitos
determinados pela Corte ainda estão encarceradas. A concessão da prisão
domiciliar ainda ocorre de forma lenta, segundo entidades e órgãos ouvidos pela
Agência Brasil que acompanham o assunto.
Para o Dia
das Mães, Taiane não tem planos especiais, só ficar perto do filho e da
família. "Agora é só felicidade. Quem diria que eu estaria aqui fora perto
dele. É o que eu quero agora, viver minha vida da melhor forma", diz.
Maternidade
digna – Em 2016, o Brasil aprovou o Marco Legal da Primeira Infância, que entre
outras proteções a crianças de até 6 anos, modificou o artigo 318 do Código de
Processo Penal para incluir novas hipóteses de prisão domiciliar. Além dos
casos de pessoas acima de 80 anos, com doenças crônicas, mães com filhos
menores de 6 anos, com deficiência ou dependentes de cuidados especiais,
situações já previstas na lei, o dispositivo passou a assegurar prisão
domiciliar também a mulheres gestantes, mães com ao menos um filho até 12 anos,
e também a homens com ao menos um filho da mesma idade, quando caracterizado
serem eles o único responsável pela criança. "Toda mulher tem direito de
exercer a maternidade de maneira digna. Essas mulheres são capazes de amar seus
filhos e nós temos que propiciar que isso aconteça de uma maneira digna,
respeitando seus direitos e os direitos das crianças", defende o advogado
Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana,
organização da sociedade civil que atuou como amicus curiae no julgamento da
ação no STF.
O advogado
explica que a decisão do Supremo favorece principalmente as crianças, para que
elas possam ter um desenvolvimento adequado e sadio ao lado das mães.
"Nenhuma criança merece passar um dia sequer dentro de um presídio. A
gente sabe que as condições nos presídios femininos são insalubres, com altos
índices de doenças transmissíveis como tuberculose, aids, nenhuma criança
merece ter esse tratamento assim que chega ao mundo", diz.
Demora para
o cumprimento da medida – A falta de documentos das mães e das crianças e a não
priorização por parte dos juízes para determinar a prisão domiciliar são as
principais causas apontadas pelo defensor público-geral da União, Carlos
Eduardo Paz, para a demora no cumprimento da decisão do STF. Ele já pediu
informações para todas as defensorias estaduais para entender quais são os
principais obstáculos para a liberação das presas que deveriam ser beneficiadas
pelo habeas corpus coletivo. "Temos notícias de casos em que a questão é
tratada como qualquer outra, ou seja, não parece que tem uma ordem do Supremo,
não parece que tem um prazo a ser cumprido", diz o defensor. A Defensoria
Pública da União (DPU) também quer saber se existem dificuldades estruturais
para o cumprimento da medida, como falta de tornozeleira eletrônica ou de equipe
multidisciplinar para monitorar a prisão domiciliar.
Para Paz, a
demora na liberação das presas pode prejudicar mães e crianças. "Se você
faz uma lei para proteger a primeira infância, você está reconhecendo que o
tempo passa. E um dia a mais ou a menos de cárcere na vida de uma criança, de
uma gestante, de uma lactante traz máculas e deixa marcas que não sabemos como
isso vai repercutir lá na frente", diz.
A defensora
pública do Distrito Federal Karoline Leal também considera que há uma
resistência dos juízes para analisar a possibilidade de prisão domiciliar.
"Os juízes estão muito reticentes em promover análises ou reanálises de
prisão de ofício, eles ficam aguardando uma ação da defesa como se essa fosse
uma atribuição só da defesa. Na verdade, a decisão do STF foi muito clara para
que o próprio Judiciário fizesse essa reanálise, já que o Supremo indicou que
os direitos das mulheres e das crianças não têm sido observados", relata a
defensora.
O habeas
corpus coletivo foi apresentado no STF pelo Coletivo de Advogados em Direitos
Humanos. A advogada Eloísa Machado, uma das signatárias do pedido, também
acompanha a execução da medida. Segundo ela, dos 3,3 mil pedidos feitos em
favor de mulheres presas provisórias grávidas ou mães de crianças até 12 anos
no estado de São Paulo, pouco mais de 1,5 mil foram julgados.
(Sabrina
Craide – Agência Brasil)
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